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Participação nas Correntes d'Escritas

A participação de Ricardo Fonseca Mota no 21º Correntes d'Escritas ficou marcada pela apresentação do seu novo livro AS AVES NÃO TÊM CÉU e pela participação no painel “Nas redes perdidos, os livros de amanhã”, juntamente com Hirondina Joshua, Paulo José Miranda e João Paulo Sacadura.

«Ao final da tarde de ontem, Hirondina Joshua, Paulo José Miranda e Ricardo Fonseca Mota reuniram-se para abordar o tema “Nas redes perdidos, os livros de amanhã”. Com moderação de João Paulo Sacadura Cabral, esta Mesa 7 contou com menos três escritores – Ana Bárbara Pedrosa, João Paulo Cotrim e Tina Vallès, que não conseguiram estar presentes.


Paulo José Miranda começou a sua intervenção constatando que “todos os livros são de amanhã”, fazendo uso de um pregão “O livro é fresquíssimo, leitor, é de amanhã!”. Na sua opinião, “que todo o livro seja de amanhã também pressupõe, e bem, que nunca fica lido. Nenhum livro está lido para sempre, quer seja do ponto de vista individual, quer seja do ponto de vista coletivo. Todos sabemos que há livros que lemos a vida toda e cada vez que lemos será outro, mas do ponto de vista coletivo também”. Para o escritor, “o texto é um organismo vivo que interage com o indivíduo e o seu tempo. Os grandes livros trazem em si futuro, mas por vezes passam longas temporadas esquecidos. O que faz um grande livro é um mistério embora possamos adiantar aquilo que parece ser consensual, a capacidade de ser reinventado. Para que um livro possa ser reinventado é preciso haver leitores”, acrescentando mesmo que “hoje talvez sejam precisos cursos de leitura criativa mais do que de escrita criativa”. A este propósito, alertou que “o problema mais grave para um livro não é o seu suporte, mas poder não haver leitores”.


Paulo José Miranda fez uma breve panorâmica do texto escrito e referiu que “o livro é recente e a sua aceitação nem sempre foi pacífica”, exemplificando-o com Platão, que fazia ataques à poesia, mas não só, também a “todo o texto que induzisse o cidadão em erro, que não fosse edificante”. Tratava-se não de uma guerra à poesia, mas antes de uma guerra à alienação, à distração e falta de concentração, “uma guerra contra o uso do texto para entreter e alienar ao invés de edificar. Platão não queria que os cidadãos andassem distraídos na vida. A distração é a morte do ser humano”.O autor referiu-se ainda a Pascal que na sua obra Os Pensamentos nos mostra que “cair no divertimento é cair para fora de si mesmo, perder-se no alheamento de si, deixar de se importar com a própria vida. Aquele que se diverte esquece-se de si. O divertimento é o ambiente natural do esquecimento de si próprio e da vida”.E, chegando à atualidade, Paulo José Miranda advertiu que “a guerra hoje não é muito diferente desse tempo. A guerra não é entre livro impresso e livro digital, texto impresso e texto online, mas entre reflexão e alienação, entre cair em si e cair para fora de si. Querer estar constantemente fora de si subentende que somos para nós mesmos um empecilho. Cada um de nós é um tédio para si mesmo. Temos de nos distrair. Salvarmo-nos de nós mesmos é fugir de nós mesmos”.

O escritor constatou que “o mundo digital alargou a possibilidade de conhecer, expandiu a possibilidade de amanhã. O mundo digital injetou conhecimento e cultura em todos nós”, acrescentando que “não podemos culpar a internet pelo seu mau uso. Se os livros desaparecerem e os leitores aumentarem, os livros cumpriram o seu tempo e a sua função”.


Hirondina Joshua transmitiu que gosta de “pensar na ideia do livro como em nós mesmos, na palavra como se fosse a primeira coisa a existir antes do corpo”.Para a poetisa moçambicana, “a tecnologia sempre esteve ao lado do homem, cresceu segundo a sua necessidade, a sua ambição e até fez o homem tornar-se também uma máquina, uma ferramenta. O livro é uma experiência do experimentador. Quando se lê ou escreve, deixa-se de ser homem. Vejo o escritor e o leitor na mesma posição. Ambos não têm máquinas, não são máquinas e nunca poderiam ser. Estão condenados e, às vezes, estar-se sentenciado é o melhor que pode acontecer”.

A estreante no Correntes, revelou que na sua adolescência, em que leu os livros que a marcaram, todos foram lidos no papel, contando ainda que “durante muito tempo tenho mantido contacto com pessoas pelas redes sociais, pessoas que nem sei quem são, não sei se realmente são pessoas ou se são ETs, só sei que essas pessoas viviam livros bons. Os livros bons cantam a humanidade”.Para Hirondina Joshua, “quando se lê um bom livro não tem como não se pensar nas coisas provenientes da vida, o amor, a esperança, a vida, a morte, a esperança, a dignidade, mesmo que às vezes não fale disso. Os livros maus não fazem lembrar disto. Por mais que invoque a palavra felicidade, não faz sentir vontade de viver ou experimentar a felicidade, não nos faz querer voltar ao passado para lá viver. Um livro mau é, pela sua essência, mau, independentemente que se invoque a palavra. O livro é extraordinário por ultrapassar ideias e modos. Eu ainda não sei o que é o livro…”.


Ricardo Fonseca Mota, também ele um estreante no Correntes d’Escritas, começou a sua abordagem do tema focando-se na palavra “redes”. Referiu-se às mais variadas designações que o termo pode ter desde rede de usar no cabelo, rede de vedação, rede de pesca, rede da baliza ou mesmo significando esquema ou armadilha. Todas estas associações levam a uma conclusão: “nenhuma rede favorece a liberdade. A sua natureza é limitar, circunscrever, condicionar”.


Quanto às redes sociais/ comunicações, estas “intrometeram-se na nossa vida” e a este respeito contou que perante uma situação de verdadeira catástrofe, aquando dos incêndios de 2017 que causaram uma destruição significativa do território que deixou as pessoas desnorteadas e sem rede de comunicações, o que as salvou foram “as verdadeiras redes sociais (familiares, vizinhos e amigos). Somos seres de relação”, concluiu.


Para o psicólogo social, “as redes sociais não são novidade nenhuma. Elas já existiam e tinham este nome. São uma apropriação” e questionou se estas seriam uma janela para o mundo ou se seriam também elas um bocadinho sujeitas a esta condição de rede que condiciona e limita, “se calhar são mais gaiolas do que janelas”.


A propósito de “os livros de amanhã”, o autor considera que, “como os do passado, continuarão a falar de muros, de guerras, de subversão, racismo, poder e violência…”

ricardo fonseca mota_@gi da conceição_20

.Vencedor do Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís 2015

.Semifinalista do Oceanos - Prémio de Literatura em Língua Portuguesa 2017

.Semifinalista do Oceanos - Prémio de Literatura em Língua Portuguesa 2021

.Vencedor do Prémio Ciranda 2021

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