Fredo - Artigo de opinião no The Styland, por Helena Magalhães
«Ricardo Fonseca Mota tem uma capacidade brutal de descrever a envolvência, os sentimentos e as emoções.»
«Às vezes dava por mim a rir-me com as divagações de Adolfo Maria e, no capítulo seguinte, a chorar pela enorme tristeza com que Fredo descreve a velhice, a solidão, o facto de vermos todas as pessoas que gostamos a morrer antes de nós.»
«vale a pena pegar neste livro para um regresso ao trabalho. É uma leitura intensa para viagens de comboio e pausas na hora de almoço. Para pensarmos um pouco mais sobre as relações que temos com as pessoas que nos rodeiam e o quanto temos de viver o que a vida nos dá.»
Fredo, de Ricardo Fonseca Mota, por Helena Magalhães, THE STYLAND
«Uma das coisas que me fascinou logo nesta romance, além de ser de um autor jovem português, é o facto de ser todo ele escrito na primeira pessoa. Primeiro, porque como já devem ter percebido pelas minhas próprias crónicas, eu adoro o género literário pessoal, em género de diário. E depois, ao contrário do que seria de esperar, não estamos a ler os pensamentos de uma só pessoa - o narrador - mas sim de várias. De capítulo em capítulo, vamos entrando na cabeça de várias narradores que, embora separados, nos contam o desenrolar da mesma história e os seus acontecimentos ao longo dos anos.
Ricardo Fonseca Mota ganhou, o ano passado, o Prémio Literário Revelação Augusta Bessa-Luís e o júri afirmou que Fredo é "um romance de aprendizagem da experiência da relação com os outros". E, porra, espero um dia ler algo do género sobre mim. Desejos à parte, e enquanto pensava num motivo realmente plausível que leve alguém a ler este livro, achei que o enredo principal bastava: a relação entre Adolfo Maria, um jovem do interior de Portugal que vem para Lisboa à procura de trabalho, e Fredo, um velho que passa o dia a ler e a jogar xadrez, teve quatro famílias e acabou a morrer sozinho.
Ao longo das conversas e encontros entre Adolfo Maria e Fredo, vamos, além de (re)conhecer os recantos de Lisboa por onde eles se passeiam, descortinar a história de Fredo, o passado da sua família na guerra, a sua fuga da Hungria para Lisboa em criança, a sua mulher, Argentina, o seu cão, Darwin, com uma série de situações caricatas à mistura - Adolfo tem um livro onde vai escrevendo tudo o que se lembra, desde palavras feias a nomes de becos lisboetas, enquanto posa nu para uma turma de pintores à noite e, durante o dia, trabalha numa funerária. Descobrimos duas personagens solitárias que encontram, uma na outra, a companhia que ambas necessitam para sobreviver ao dia-a-dia, mesmo que separados por 70 anos.
Eu costumo escrever, sabe? São coisas ainda sem interesse, material que não mostro a ninguém. Mas eu tenho este gosto, este sonho de escrever. De que vale uma boa história se não existir alguém para contá-la? Acredito que todos temos uma história e uma razão para ser de determinada maneira, para agir de determinada maneira. E as histórias desaparecem se não as agarrarmos logo.
Para quem gosta de livros extremamente descritivos - eu nem por isso - Ricardo Fonseca Mota tem uma capacidade brutal de descrever a envolvência, os sentimentos e as emoções. Eu, pessoalmente, gosto mais de avançar nas histórias e não tanto de me bloquear com parágrafos inteiros de divagações do narrador mas, neste caso, acho que funcionou bastante bem porque nos deixa, a nós leitores, completamente envolvidos pelo que os personagens estão a sentir.
Às vezes dava por mim a rir-me com as divagações de Adolfo Maria e, no capítulo seguinte, a chorar pela enorme tristeza com que Fredo descreve a velhice, a solidão, o facto de vermos todas as pessoas que gostamos a morrer antes de nós.
Mais uma vez, orgulho do que é escrito em português. E só por isso, vale a pena pegar neste livro para um regresso ao trabalho. É uma leitura intensa para viagens de comboio e pausas na hora de almoço. Para pensarmos um pouco mais sobre as relações que temos com as pessoas que nos rodeiam e o quanto temos de viver o que a vida nos dá.»